Se há brigas
familiares, o que não dizer de outras relações sociais? A pacificação
não é a regra, mas a exceção. No mundo de hoje existe um individualismo
exagerado e a sensibilidade aflora ante a mínima provocação. Fator de
multiplicação de litígios, pois ninguém quer "sair perdendo" ou "ficar
em situação de inferioridade".
O resultado de
tudo isso é a multiplicação de processos judiciais. A ação em juízo é
ainda considerada a maneira mais civilizada de compor conflitos. É a
derradeira fase de uma lenta evolução que começou com a retorção
imediata – a reação instantânea do ofendido contra o ofensor – e passou
para a lei de Talião. Esta já representou um avanço: trouxe a
proporcionalidade, inexistente na etapa anterior. O "olho por olho,
dente por dente" foi um progresso.
Entregar a um
terceiro imparcial a atribuição de resolver a querela foi o estágio
seguinte. Mas parece que teremos de pensar em outras opções. O Brasil
tem hoje 93 milhões de processos em curso. Para 200 milhões de pessoas, o
número é um exagero inadministrável. Parece que todos os indivíduos são
litigantes. Será o Brasil um país símbolo da beligerância?
Explica-se o
fenômeno do excesso de demandas por várias causas. Para os otimistas,
ele é resultado de uma Constituição Cidadã que acreditou no Judiciário e
explicitou que nenhuma lesão ou ameaça a direito venha a ser subtraída à
apreciação de um juiz de direito. Atentas a essa escolha do
constituinte, as pessoas acordaram e procuraram o foro, destravando o
represamento de pretensões insatisfeitas. É a demanda reprimida que
desaguou nessa multiplicidade de processos.
Sob concepção
tal, o número elevado de ações a tramitar pelos juízos e tribunais
brasileiros seria uma espécie de termômetro democrático altamente
favorável à democracia. A Justiça funciona. Os tribunais estão abertos à
população.
Mas outra leitura
também é possível. Menos ufanista. Mais realista. Os filósofos gregos
já proclamavam: "nada em excesso". O excesso debilita e mata. A Justiça
não dá conta desse elevado número de processos. Para vencê-los, a
resposta é sempre a mesma: precisamos de mais orçamento, de mais juízes,
de mais funcionários, de mais edifícios destinado aos fóruns. A
resposta a tais demandas não tem sido outra: o Estado brasileiro tem
carências permanentes e intensas. Ele precisa de Justiça, é óbvio. Mas
não precisa menos de infraestrutura, saneamento básico, moradia,
transporte, saúde, educação e segurança. Onde encontrar dinheiro para
atender a todos esses direitos legítimos?
Diante de
situação tal, incumbe a cada brasileiro formular a sua receita para
enfrentar o problema. Haveria uma "terceira via", que não fosse a
ampliação até o infinito ou o congelamento mantenedor da atual situação
de déficit no funcionamento do Judiciário?
Essa terceira via
está nas alternativas de resolução de conflito diversas do juízo
convencional. O direito anglo-saxão é pródigo em fórmulas de
harmonização que não precisam do Estado-juiz tradicional. Há muito tempo
investem na conciliação, na negociação, na mediação, na transação, no
"rent-a-judge" e em inúmeras outras modalidades subtraídas ao
dispendioso, lento e complexo padrão judicial.
Essa linha
precisa ser mais utilizada, após serena análise de todos aqueles que se
compenetram de que o Judiciário não é problema exclusivo dos juízes. Nem
dos demais profissionais da área jurídica. O Judiciário é um serviço
estatal posto à disposição do povo. É a população a legitimada a
discuti-lo, a oferecer propostas de aperfeiçoamento, a zelar pelo seu
efetivo bom funcionamento, a exigir dele a eficiência prometida pelo
constituinte.
Sem esse debate
nacional, as soluções brotadas no natural hermetismo da cultura jurídica
nem sempre atenderão ao desejo da sociedade. Esta mesma que sustenta o
equipamento judicial, cujo crescimento é contínuo e permanecerá
submetido à mesma lógica.
Brasileiros: pensem nisso e contribuam para um debate fundamental ao fortalecimento da democracia.
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* José Renato Nalini é presidente do TJ/SP.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI193913,71043-O+futuro+da+Justica
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