sexta-feira, 30 de maio de 2014

Nem advogados nem juízes lamentam a aposentadoria de Joaquim Barbosa

Os representantes da advocacia brasileira estavam reunidos quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, anunciou que se aposentará em junho. Na reunião dos presidentes das seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, que acontece em Recife, a notícia foi mais do que bem recebida. Houve até quem propusesse, no microfone, que a festa programada para esta noite fosse em homenagem à aposentadoria do ministro. Rendeu risos e aplausos.
Entre juízes, a saída do ministro do STF e do Conselho Nacional de Justiça também é vista com bons olhos. “A magistratura não sentirá saudades de Joaquim Barbosa”, diz Nino Toldo, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Até mesmo no Plenário do Supremo, quando Barbosa contou a seus colegas que deixaria a corte em junho, as homenagens de costume foram trocadas por um discurso sem quaisquer adjetivos feito pelo ministro Marco Aurélio. Ministro mais antigo presente na sessão, Marco Aurélio fez uma fala de improviso e com muitos recados. “A cadeira do Supremo Tribunal Federal tem envergadura maior”, declarou, “mas devemos reconhecer que a saída espontânea é direito de cada qual”.
A tradição é que o discurso de despedida tenha tom elogioso, como na ocasião em que o ministro aposentado Cezar Peluso deixou a corte. Na última sessão de Peluso, o ministro Celso de Mello disse ser “lamentável que, não só o Poder Judiciário, mas esse país venha ficar privado de figuras eminentes como o ilustre juiz e ministro da Suprema Corte, Cezar Peluso”. O decano da corte também teceu elogios na despedida de Ayres Britto, "cujos julgamentos luminosos tiveram impacto decisivo na vida dos cidadãos desta República e das instituições democráticas do país", segundo Celso de Mello. Na vez de Joaquim Barbosa, não foi assim.
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, não estava no Supremo duranta a sessão e nenhum advogado presente quis falar em nome da classe para as homenagens de praxe. O presidente da OAB também não deu declarações públicas sobre a carreira de Joaquim Barbosa. Procurado pela ConJur, disse que o ministro “prestou serviços ao pais, merecendo o respeito e a consideração de todos”.
Já o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Felipe Santa Cruz (foto), faz questão de deixar claro que, em relação aos advogados, Barbosa não deixará saudade. “Ele sempre agiu de forma a diminuir o papel da advocacia. Fez isso quando falou que advogados acordavam tarde; quando não recebia advogados em seu gabinete; e quando fez críticas à representação da advocacia na magistratura, por exemplo”, listou Santa Cruz.

A opinião é compartilhada pelo advogado Marcelo Knopfelmacher, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia. “Se para a população em geral [o ministro] passou a imagem de grande paladino da Justiça e de defensor da Constituição, em muitos momentos, para a comunidade jurídica, público mais especializado, transmitiu a sensação de intolerância quanto ao exercício da advocacia e em relação ao direito de defesa.”
Ator de diversos embates jurídicos no Supremo, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também critica a postura de Barbosa à frente do STF. “Infelizmente o ministro Joaquim vai deixar como marca o destempero e a arrogância no trato com as pessoas, sejam seus colegas de Casa, sejam juízes, sejam jornalistas ou advogados.” Ele faz votos para que Barbosa tenha mais afinidade com seus próximos passos na carreira. “Espero que seja feliz e que tenha a paz que parecia não ter com a toga nos ombros. A toga era muito maior do que ele.”

Frequentador assíduo da tribuna do Supremo, o criminalista Alberto Zacharias Toron também é categórico: "O ministro Joaquim Barbosa não deixará saudades entre os que foram vítimas de ofensas e atos arbitrários, leia-se advogados, juízes e muitos de seus próprios colegas no STF". O advogado diz também que não consegue lembrar de nada significativo que Barbosa tenha feito no âmbito do CNJ. "Por fim, resta dizer: Bem vindo, ministro Ricardo Lewandowski!", finaliza Toron. 
José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, reclama da falta de explicações de Barbosa sobre sua saída. “A antecipação da aposentadoria, inclusive antes do término do exercício da presidência, abdicando de decidir questões de interesse da vida do cidadão brasileiro, por constituir um fato incomum, merece ser fundamentada, especialmente pelo compromisso público assumido e pela dimensão social atingida pela figura do ministro Joaquim Barbosa”.
Já o presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Sérgio Rosenthal, diz que o ministro teve um papel fundamental em um momento muito importante do STF e do país, mas não deixa de apontar que “sua personalidade forte e forma dura, e por vezes até mesmo ríspida, de agir e se expressar angariaram a antipatia de muitos”.
Esperança de diálogo
Não partiram só de advogados as críticas. Aliás, das três carreiras jurídicas, apenas o Ministério Público não aparenta um certo alívio com a saída de Barbosa. A predileção do ministro pelo MP é alvo do presidente da Ajufe, Nino Toldo (foto). “Recordo de Barbosa dizer que a magistratura era uma instituição arcaica, voltada à impunidade, enquanto o MP é que era moderno”, lembra, antes de pontuar: “a magistratura não se pode confundir com órgão acusador, jamais”.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo dos Santos, diz que, com a saída de Barbosa, a magistratura renova suas esperanças de ter um diálogo com o chefe do Poder Judiciário. “O presidente do Supremo que não dialoga com a magistratura tem dificuldade de administrar o Poder que comanda”, afirma. Para ele, Barbosa deu boa visibilidade para o Supremo, mas, muitas vezes, em aspectos negativos.
Também representante da classe, Paulo Luiz Schmidt, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, diz que a passagem de Barbosa pelo Supremo e pelo Conselho Nacional de Justiça, “não contribuiu para o aprimoramento do necessário  diálogo com as instituições republicanas e com as entidades de classe, legítimas representantes da magistratura, marcando, assim , um período de  déficit democrático”.
O comentário mais bem humorado sobre a saída de Barbosa partiu de seu colega de corte, ministro Luís Roberto Barroso: "Quem se beneficia com a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa sou eu. Ser o primeiro a votar é um abacaxi!", brincou.

Os ministros do Superior Tribunal de Justiça e do STF procurados para comentar a carreira ou a despedida de Joaquim Barbosa preferiram não fazer comentários.

fonte:  http://www.conjur.com.br/2014-mai-29/nem-advogados-nem-juizes-lamentam-aposentadoria-joaquim-barbosa

TRADIÇÃO MANTIDA Com 29 votos, Francisco Falcão é eleito presidente do Superior Tribunal de Justiça

O ministro Francisco Falcão foi eleito na manhã desta terça-feira (27/5) presidente do Superior Tribunal de Justiça com 29 votos, de um total de 32 votos possíveis. Sua vice será Laurita Vaz, escolhida com 30 votos. A ministra Nancy Andrighi foi eleita corregedora nacional de Justiça com 30 votos e assumirá o cargo depois de passar por sabatina no Senado.
As votações expressivas sinalizam que o tribunal optou por manter suas tradições a politizar as eleições para os ocupantes dos cargos administrativos. Os ministros saíram da sessão em clima de comemoração, pois "tudo ficou em paz", como disse um deles. Seguiu-se a regra da antiguidade, prevista no artigo 102 da Lei Orgânida da Magistratura Nacional, a Loman, segundo o qual o mais antigo dos candidatos é eleito presidente, o segundo, a vice, e o terceiro, a corregedor.
Dos 32 votos possíveis (há um cargo vago), Falcão recebeu 29. Um voto em branco e dois na ministra Nancy. O placar foi considerado normal pelos colegas, apesar de as ministras Laurita Vaz e Nancy Andrighi terem recebido um voto a mais cada uma.
A ministra Nancy foi eleita corregedora por aclamação pelos demais ministros. Ela enfrentaria a concorrência do ministro Felix Fischer, atual presidente do STJ, mas ele retirou sua candidatura e a colega foi aclamada.
De todo modo, dificilmente Fischer seria eleito, segundo comentaram alguns dos ministros. Por mais que seja o mais antigo do tribunal, não poderia assumir um cargo hierarquicamente inferior ao que já está. Caso contrário, ele estaria livre para assumir qualquer cargo que ainda não tivesse ocupado. "A antiguidade deve andar para frente", comentou um ministro.
Já a Corregedoria da Justiça Federal segue suas próprias regras internas de eleição. Os cargos de diretoria são definidos pela antiguidade dos membros eleitos para o órgão —, o terceiro mais antigo do STJ geralmente é nomeado corregedor do CNJ.
*Texto alterado às 11h19 da terça-feira (27/5) para acréscimo de informações.

fonte: http://www.conjur.com.br/2014-mai-27/29-votos-francisco-falcao-eleito-presidente-superior-tribunal-justica

terça-feira, 27 de maio de 2014

GRADES

O Ministério da Justiça vai avaliar a possibilidade de instalação de telefones públicos em penitenciárias femininas para as presas se comunicarem com suas famílias. Também estuda alternativas para tirar da cadeia mães com filhos pequenos e prisão domiciliar para as grávidas. As propostas resultam de pesquisa sobre maternidade no cárcere encomendada à USP e que será apresentada hoje.

fonte: Folha de São Paulo, pág. E2, ilustrada, 22/5/2014


Nota da redação:  Ótima iniciativa! A idéia deveria ser implantada não apenas nas unidades femininas, mas, em todas as unidades prisionais do país. Afinal de contas uma das finalidades da pena é a ressocialização do infrator, porém, com o distanciamento familiar a ressocialização torna-se mais difícil.
É uma boa iniciativa, que, inclusive conta com modelos americanos em funcionamento(para àqueles que gostam de comparações com os E.U. A.).

sexta-feira, 23 de maio de 2014

"STJ e STF não comunicam bem sua jurisprudência a tribunais"

Proferida em agosto de 2012, adecisão do ministro Marco Aurélio, na qual negou a possibilidade do Habeas Corpus como substitutivo do Recurso ordinário, determinou nova jurisprudência sobre o tema no Supremo Tribunal Federal. A partir daí, o Superior Tribunal de Justiça e os demais tribunais seguiram o mesmo entendimento e passaram a não conhecer mais os pedidos em HC que achassem que caberiam em recursos.
A medida, adotada como forma de administrar a sobrecarga de pedidos de HCs que chegam a Brasília todos os dias, revelou outro grave problema da Justiça brasileira: a incapacidade do STF e do STJ em comunicar aos demais tribunais, de maneira eficiente, a jurisprudência que aplicam.
A avaliação é do professor Thiago Bottino, responsável pela coordenação da pesquisa "Panaceia universal ou remédio constitucional? Habeas Corpus nos Tribunais Superiores”, desenvolvida pela Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio) a pedido do Ministério da Justiça.
“Mais importante do que fechar a porta é saber por que existe essa demanda altíssima de Habeas Corpus. Foi esse o interesse do Ministério da Justiça ao encomendar a pesquisa", explica Bottino, em entrevista exclusiva concedida à revista eletrônica Consultor Jurídico.
De acordo com o professor, o estudo mostra que os ministros do Supremo e do STJ deveriam priorizar a identificação dos temas de maior demanda que chegam às cortes e transformá-los em súmulas. “No momento em que fizerem isso, vão comunicar mais rápido às instâncias de baixo e, consequentemente, o entendimento vai se uniformizar e não se terá mais tantos recursos subindo”, acredita.
Coordenar por seis meses o trabalho de leitura e classificação de 13,8 mil Habeas Corpus ajudou a construir essa convicção, admite o doutor em Direito pela PUC-RJ, que dedica seu tempo às aulas de Direito Penal na UFRJ e na FGV-Rio, onde também coordena a graduação.
O universo retratado pela pesquisa corresponde a 5% dos pedidos de HC que aportaram nas cortes superiores entre 2008 e 2012. Durante os cinco anos analisados, foram impetrados, em média, 180 pedidos de HC por dia no STJ e 30 no STF.
Além de profissionais e estudantes de Direito, o time de 30 pessoas envolvido na empreitada incluiu um matemático e um técnico em TI. Isso possibilitou explorar mais bem os números para responder a perguntas como: "quais os tipos penais mais comuns entre os HCs que chegam ao STJ e STF?"; "qual o ranking dos tribunais responsáveis pela maioria dos recursos?"; "como os ministros de Brasília julgam?"; "que tipo de decisão prevalece entre eles, colegiada ou monocrática?".
Uma das surpresas da pesquisa foi a liderança isolada do Tribunal de Justiça de São Paulo entre os pedidos de HC que subiram ao Supremo e ao STJ, com 44% do total.
Para se ter ideia do que isso significa, ainda que se reunisse os recursos dos quatro tribunais seguintes no ranking — Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal —, não se chegaria nem à metade dos recursos originados no TJ-SP. Para Bottino, esse dado revela que juízes e desembargadores de São Paulo resistem a seguir a jurisprudência pacificada do STJ e STF.
Clique aqui para consultar o site exclusivo que permite explorar todas as variáveis da pesquisa, que foi lançada semana passada no TJ-SP, e tem lançamento previsto, no TJ do Rio, para o próximo dia 2 de junho. Depois, o Ministério da Justiça deverá lançar oficialmente o estudo em Brasília, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil. A data ainda será confirmada. Clique aqui para ler a pesquisa no formato tradicional, com a análise dos números. 
Leia a entrevista:
ConJur — O que motivou o Ministério da Justiça a encomendar essa pesquisa?
Thiago Bottino  No fim de 2012, o Supremo Tribunal Federal, por meio do ministro Marco Aurélio, que relatou a decisão, mudou a orientação no que diz respeito ao Habeas Corpus e passou a não conhecer mais o HC em determinados casos. Deferir ou não deferir é uma coisa, outra é não analisar nem o mérito, simplesmente não conhecê-lo.

ConJur — Em que tipo de situação isso passou a ocorrer?
Thiago Bottino  O Supremo e o STJ passaram a não conhecer o HC em um caso muito particular. Digamos que um juiz pratique uma ilegalidade. O advogado recorre ao tribunal. Normalmente se faz isso por meio de um HC, visto que em muitas decisões não cabe Apelação e a única via é mesmo o HC. Caso o tribunal negue, pode-se recorrer ao STJ. O recurso correto seria o Recurso Ordinário de Habeas Corpus. Mas, nesse caso, é preciso aguardar a publicação do TJ. Quanto tempo isso pode levar? Uma semana, um mês, um ano?

ConJur — Chega a um ano?
Thiago Bottino  Em alguns casos, até passa de um ano. E o que fazer com quem está preso injustamente? Se o advogado não pode entrar com recurso, faz um Habeas Corpus em substituição no STJ. Se o STJ nega, o caminho seria impetrar um recurso no STF. Mas o advogado costuma entrar logo com um HC substitutivo, o que, aliás, sempre se fez. Porque, na prática, não há diferença entre um recurso e um HC.

ConJur — Se não há diferença, por que o STJ e o STF negam?
Thiago Bottino  No seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello diz que existe uma quantidade absurda de processos no Supremo e que não há condições físicas e materiais de dar conta dessa demanda. Afirma, então, que só reconhecerá o pedido se ele vier no meio próprio, ou seja, no recurso. O que ele está fazendo com isso? Ganhando tempo.

ConJur — Fechando uma das portas...
Thiago Bottino  Quando o Supremo fez isso, o STJ decidiu fazer o mesmo. Só que o STJ resolveu que além de HC substitutivo de Recurso Ordinário, também não aceitaria substitutivo de Recurso Especial nem de Revisão. Ocorre que todos os recursos são demorados e o Habeas Corpus era a via adotada pelo advogado para demonstrar que havia uma ilegalidade.

ConJur — Efeito dominó?
Thiago Bottino  Exatamente. Nesse momento, os Tribunais de Justiça resolveram que também não iriam mais reconhecer Habeas Corpus substitutivo de Apelação e de Agravo de Execução, como se o problema fosse o Habeas Corpus em si. Claro que isso vai reduzir o número de recursos, mas o que se perde do outro lado? Se impede que o cidadão tenha um caso conhecido de forma célere pela Justiça, o que é importante quando falamos de liberdade de locomoção. Imagine ficar até quatro meses preso porque o acórdão ainda não foi publicado? E se, mais tarde, ele tem reconhecido o direito de ficar em liberdade? Quem paga esse tempo que ele ficou preso a mais? Não tem como. O Ministério da Justiça reconhece que é um problema ter um volume tão grande de processos no STF e STJ, afinal, isso prejudica a prestação jurisdicional, as decisões demoram mais e a qualidade não é a mesma. Porém, mais importante que fechar a porta é saber por que isso está acontecendo. Foi para compreender esse fenômeno que o Ministério da Justiça encomendou a pesquisa.

ConJur — De quanto foi o crescimento de HCs?
Thiago Bottino  Analisando a média histórica de impetração de HCs, entre 2008 e 2012 [período coberto pela pesquisa] chegou a um pico de 6 mil no Supremo, em 2009. No STJ, o boom acontece em 2011, com 36,5 mil HCs, caindo um pouco em 2012, para 32,5 mil. No período, isso dá 180 HCs por dia no STJ e 30 no Supremo.

ConJur — Isso é sintoma ou doença?
Thiago Bottino  Sintoma. Trata-se de uma febre fortíssima.

ConJur — E a pesquisa descobriu a causa?
Thiago Bottino  São várias as causas. Pegamos uma amostra estatística de 5% de todos os HCs julgados no STJ e STF nesse período de cinco anos. Parece pouco, mas como trata de um universo grande, é muito representativo. Estatisticamente é perfeito. Pegamos casos aleatórios, mês a mês, tribunal a tribunal. Em seis meses de trabalho, a equipe leu e classificou 13,8 mil casos.

ConJur — A pesquisa levantou a origem desses HCsComo está esse ranking?
Thiago Bottino  O primeiro lugar é de São Paulo, com quase 44%. Depois vem Minas Gerais, com 9,5%. Você vai me dizer: “ora, São Paulo é o estado mais populoso”. Ok, mas o estado que tem 21% da população do país concentrar 44% dos Habeas Corpus? A lista dos cinco primeiros reúne São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Curiosamente, se somar os HCs do segundo ao quinto colocado não chega à metade dos HCs originados em São Paulo.

ConJur — E a pesquisa ajuda a explicar essa liderança tão isolada?
Thiago Bottino  Essa análise passa pelo perfil de cada impetrante, que pode ser o advogado, o paciente ou a Defensoria Pública. Vale dizer que até 2008 o estado de São Paulo não tinha defensores públicos. O primeiro concurso para a Defensoria Pública ocorre em 2007, e os primeiros defensores tomam posse ao longo daquele ano. Em 2008, finalmente, a população de baixa renda de São Paulo passa a ter acesso aos tribunais superiores como nunca antes.

ConJur — E, assim, libera-se a demanda reprimida de jurisdicionados.
Thiago Bottino  Uma demanda reprimida brutal. De repente, uma boa parte da população passa a ter alguém que levará o seu caso para um tribunal superior. Hoje, Defensoria Pública impetra mais HCs no STJ que advogado. Em 2008, 53% dos HCs do STJ foram impetrados por advogados, e 36%, por defensores. Quatro anos depois, o cenário se inverteu: 47% dos HCs chegaram por meio da Defensoria e 44% pelos advogados. No Supremo o percentual de HCs impetrados pela Defensoria Pública também cresceu.

ConJur — Então, o aumento de HCs no STJ e no STF tem relação direta com a criação da Defensoria Pública em SP?
Thiago Bottino  O que não é algo ruim. Na verdade, o que esses números estão dizendo é que a Defensoria está com a razão e o TJ de São Paulo está errado.

ConJur — Quais os principais tipos penais relacionados a esses HCs?
Thiago Bottino  Em São Paulo, os tipos que predominam, pela ordem, são roubo, tráfico, homicídio e furto. Dentro de roubo, os temas que mais aparecem são progressão de regime, prisão cautelar, regime inicial de cumprimento — quando se discute se o cidadão vai cumprir a pena no regime aberto, semiaberto ou fechado —, regras de dosimetria e excesso de prazo.

ConJur — E a primeira conclusão foi...
Thiago Bottino  Que o TJ de São Paulo é muito resistente, diria até que em geral não segue a jurisprudência do STJ. Antes, quando não havia tantos recursos chegando a Brasília, ficava do jeito que estava. Mas com a chegada da Defensoria Pública, o índice de deferimento de HCs explodiu. Por exemplo, no tema roubo com erro na fixação do regime, a taxa de concessão no STJ chega a 62%.

ConJur — O que é possível concluir disso?
Thiago Bottino  A questão é: o STJ está concedendo tantos HCs porque os ministros são bonzinhos, ou porque eles já examinaram esse tema, já firmaram uma jurisprudência e os tribunais de baixo não estão cumprindo?

ConJur — Qual a média de concessão de HCs no STJ e no STF?
Thiago Bottino  No STJ é 27%, uma média alta. A do Supremo é bem inferior, 8%.

ConJur — O tema do princípio da insignificância também aparece nesses HCs?
Thiago Bottino  Aparece muito. Aliás, uma das conclusões da pesquisa é que falta uma súmula sobre o tema. O princípio da insignificância não está na lei, na Constituição, no Código, em lugar nenhum. É uma construção jurisprudencial, doutrinária, e por essa razão, cada juiz decide de um jeito. Um decide que furtar melancia é insignificante, outro diz que furtar abóbora não é.

ConJur — Entre os tipos penais prevalentes, quais possuem entendimento pacificado e quais ainda não?
Thiago Bottino  Dos cinco, ao menos um, roubo, possui diferentes entendimentos pacificados no STJ e no Supremo. O roubo pressupõe violência e grave ameaça. Se eu roubo você com uma arma de verdade é uma coisa, mas com uma de brinquedo é outra. Por quê? A qualificadora do emprego da arma de fogo só vale quando a arma é de verdade. Se a arma for de verdade, sua vida está em risco e sua pena aumenta. Já a de brinquedo não é capaz de matar, logo, não haverá uma pena tão grave. Sempre é roubo, mas é preciso dar respostas diferentes, de acordo com a periculosidade da ação do sujeito. Aí eu pergunto: no roubo em julgamento foi usada uma arma de verdade, que não atira ou está sem balas. Nesse caso, aumenta-se ou não a pena?

ConJur — Sem entendimento pacificado, o juiz decide sozinho.
Thiago Bottino  Exatamente. Bastaria uma súmula para resolver esse impasse. Mas os ministros do STJ e do Supremo não sabem disso porque estão sentados em 36 mil processos e não conseguem digerir tudo aquilo. O que a pesquisa está dizendo é que o STJ e o Supremo precisam criar mecanismos para identificar o tema que mais cresce e buscar pacificá-lo. O que não pode é esperar um ano, dois anos, cinco anos. Identificou uma situação que está sendo discutida, pacifica logo. Porque isso vai arrefecer a demanda, seja para o lado mais liberal ou mais conservador. O pior de tudo é não pacificar, porque aí aumenta o número de processos e cria desigualdade. Se o tema não está pacificado, você vai ter na mesma cela dois presos que roubaram com arma que não atira, mas que terão penas diferentes porque seus casos foram decididos por juízes com entendimentos diferentes, ou, quem sabe, cada processo caiu em uma Turma do STJ.

ConJur — Isso não fere o princípio da isonomia?
Thiago Bottino  Não apenas isso. Ter casos iguais com tratamentos diferentes gera insegurança jurídica e aumenta o número de processos, além, claro, de criar uma situação de desigualdade entre pessoas que praticaram o mesmo fato. Hoje, o STJ e o STF ainda não sabem, mas o tema do roubo com arma precisa ser enfrentado e pacificado.

ConJur — Súmula Vinculante do STF deve ser seguida pelos tribunais, já a Súmula do STJ tem caráter de sugestão. Isso se reflete nas decisões dos tribunais?
Thiago Bottino  No caso das Súmulas do STJ, o juiz e o desembargador têm independência para decidir como quiser. O problema é que quando se faz isso já sabendo que o outro tribunal pensa diferente. Nessa hora, o juiz está obrigando uma parte a recorrer. Ou, se aquela parte é mais humilde e não vai recorrer, está mantendo-a em uma situação de desigualdade em relação a que vai recorrer. Quando se diz que quem tem bom advogado consegue uma porção de coisas, é verdade, porque ele vai até a última instância, e assim consegue fazer valer o entendimento que já está pacificado, enquanto outros não conseguem. Isso vale para o crime, mas também para setores como cível e família.

ConJur — Entre as razões para o congestionamento de HCs no STJ e STF, alguma lhe chamou a atenção?
Thiago Bottino  A forma como é julgada a maioria desses casos. No Supremo as decisões monocráticas representam 68,8%, e no STJ, 59,4%. Isso é ruim, porque a expectativa é que quando o HC chega ao Supremo ele seja julgado por um colegiado. Se a decisão é monocrática, acabamos tendo a jurisprudência de cada ministro. Quando se leva o pedido de HC para o colegiado e se debate, o ministro que foi vencido vai aderir ao voto vencedor na próxima, justamente para manter a constância. Na decisão monocrática, não. A falta de um julgamento colegiado impede essa fixação de entendimento pacificado, de súmula. Fica cada um no seu quadrado, julgando sozinho, e isso não gera segurança jurídica, uniformidade de pensamento, nem diminui o número de processos. Vira uma loteria. O advogado passa a pensar, “se o meu caso cair com fulano eu ganho, se cair com sicrano eu perco”. Por outro lado, quando o julgamento acontece no Plenário, mesmo que seja por 6 a 5, acabou, ninguém vai levar aquilo de novo para o Plenário. No caso do STJ, as Turmas passam a julgar de acordo com o que foi decidido em Plenário.

ConJur — A alta demanda de processos é o motivo alegado para as decisões monocráticas, naturalmente.
Thiago Bottino  Mas enquanto os ministros julgarem assim, o volume de processos não vai diminuir.

ConJur — O que fazer, então?
Thiago Bottino  Identificar os temas com maior demanda, levá-los a Plenário, decidir e transformar em súmula. No momento em que fizerem isso, vão comunicar mais rápido para as instâncias de baixo, consequentemente o entendimento vai uniformizar e não se terá mais tantos recursos subindo.

ConJur — O julgamento colegiado no STF e STJ já não cumpriria esse papel?
Thiago Bottino  Mas ele comunica menos do que a súmula. O juiz que compra uma nova edição do Código Penal encontra a lei acompanhada das súmulas. Nem sempre ele lê o informativo do STJ e do Supremo para saber a decisão sobre aquele tema. A súmula resolve esse problema. A mensagem da súmula é essa: fechamos a questão, agora é definitivo, a divergência aqui acabou. Depois, imprime a súmula no Código e o acesso é muito mais fácil, seja para o delegado, o promotor, o advogado, o juiz, o desembargador. Às vezes, há decisões do Plenário do Supremo que só vão passar a ser aplicadas no dia a dia meses ou anos depois.

ConJur — A causa do excesso de HCs no STF e STJ está na falta de comunicação com os tribunais inferiores?

Thiago Bottino  Mas é preciso saber o que comunicar e o que comunicar. Qualquer especialista em comunicação que estivesse acompanhando o dia a dia do Supremo diria que eles estão comunicando mal suas decisões. Porque está chegando muita coisa repetitiva lá. Vários instrumentos têm sido criados, no âmbito do Judiciário, para comunicar melhor e diminuir o recurso repetitivo. Há a repercussão geral, nos recursos extraordinários, as decisões sobre recursos repetitivos e a súmula vinculante. Tudo isso existe para evitar decisões iguais. O que a pesquisa demonstra é que o crescimento de Habeas Corpus no STJ e Supremo embutem decisões repetitivas.

ConJur — Ou seja, não adianta o ministro não conhecer o Habeas Corpus.
Thiago Bottino  Dessa maneira, o ministro só estará represando ainda mais o andar de baixo. E isso é ruim, porque tem gente ali que está sofrendo. Quando o ministro não conhece o HC substitutivo, na verdade, não está resolvendo nem o problema dele. Porque em algum momento isso explode. Seja por meio da superpopulação prisional ou pelo sentimento de injustiça das pessoas. Cada vez fica mais difícil dar conta de todo esse volume de processos. Uma hora essa onda virá, como uma tsunami. Ninguém vai deixar de recorrer por causa disso, nem a defensoria, nem o advogado.

FONTE: http://www.conjur.com.br/2014-mai-18/entrevista-thiago-bottino-professor-direito-fgv-rio

terça-feira, 20 de maio de 2014

OAB atuará em ações que criminalizam advocacia

Brasília – O Conselho Federal da OAB aprovou por unanimidade o ingresso da Ordem como assistente em processos que criminalizam advogados. O plenário analisou dois itens que trazem à tona o grave problema: advogados citados como réus por terem emitido pareceres em processos de licitação e uma ação movida contra a OAB-SP por magistrados pela elaboração de lista com nomes daqueles que sofreram desagravo da instituição por violar prerrogativas dos advogados.
No primeiro caso, cujo relator foi o conselheiro federal de Alagoas Everaldo Bezerra Patriota, debateu-se o problema da criminalização de advogados que emitem pareceres para o governo e acabam virando réus de ação penal se há algum problema na licitação. Segundo o presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, o advogado não pode ser responsabilizado por emitir um parecer. “É impensável que haja responsabilização por ter exercido sua profissão”, afirmou no plenário da casa. “E isso vale tanto para os advogados públicos quanto para os privados”, completou.
De acordo com o relator, que analisou pedido de Humberto Henrique Costa Fernandes do Rêgo, conselheiro federal do Rio Grande do Norte, há uma escalada nos casos de criminalização dos advogados, em vários Estados do Brasil. “A defesa das prerrogativas é essencial, e os advogados públicos também precisam delas. Quando o profissional valora num processo administrativo, está emitindo um juízo de valor jurídico. Quando há a criminalização do advogado, a OAB tem que reagir. Somos a marca da civilidade”, afirmou Patriota.
O presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Leonardo Accioly, sugeriu a realização de um ato público para mostrar o contraponto da categoria contra o cerceamento da atividade advocatícia. As comissões de direito administrativo, de defesa das prerrogativas e de direito constitucional ficarão responsáveis pela elaboração de estudos aprofundados sobre as melhores ações para impedir a criminalização da atividade de advogado.
Entre as sugestões apresentadas pelo plenário da Ordem estão a responsabilização de promotores e procuradores, o ingresso de ações por dano moral, a produção de normativos restritivos legais em que se garantam independência técnica e funcional dos advogados públicos, a criminalização de agressões às prerrogativas dos advogados e o ingresso de ações declaratórias no STF para apreciação de dispositivos acerca das prerrogativas dos advogados.
Quanto às ações movidas por juízes e por associações de magistrados contra a OAB-SP pela elaboração de listas públicas com os nomes daqueles que violaram prerrogativas dos advogados e, assim, sofreram desagravo ou repúdio da Ordem, foi aprovado por unanimidade do ingresso do Conselho Federal como assistente no processo, que está em fase iniciar no Superior Tribunal de Justiça. É pedido da OAB-SP indenização por danos morais. O relator da matéria é o conselheiro Rodrigo Lago (MA), que argumentou a favor do ingresso do Conselheiro Federal e exaltou a importância de instrumentos como o desagravo e o repúdio em face às violações de prerrogativas perpetradas por magistrados. O presidente do Instituto dos Advogados do Brasil, Técio Lins e Silva, analisará a possibilidade de a instituição também ingressar como assistente nos processos.

FONTE: http://www.oab.org.br/noticia/27058/oab-atuara-em-acoes-que-criminalizam-advocacia?utm_source=2939&utm_medium=email&utm_campaign=OAB_Informa

terça-feira, 13 de maio de 2014

Prova emprestada provoca "incertezas e presunções", diz juiz

O uso de informações de outro processo, pertencentes a contexto fático diverso daquele da ação penal sub judice, foi considerado pelo juiz Alessandro Rafael Bertollo, da 1ª Vara Federal de Paranaguá (PR), “esforço argumentativo” do Ministério Público Federal, que “leva a decisão judicial para um caminho de incertezas e presunções, o que não há de se admitir num Estado Democrático de Direito”.
Com essa fundamentação, o juiz federal absolveu uma doméstica acusada de transportar, para uma facção criminosa, cerca de dois quilos de cocaína. A droga é procedente do Paraguai e o MPF denunciou mais quatro homens supostamente envolvidos na logística de sua introdução no país e distribuição na cidade portuária paranaense. Um dos corréus foi condenado a dez anos, três meses e 27 dias de reclusão.
Os demais ainda não foram sentenciados porque houve o desmembramento do processo em relação a eles. Entre esses réus está o ex-companheiro da doméstica, com quem ela viveu por 15 anos, e o líder do bando. Segundo o MPF, o cabeça determinou a remessa da cocaína para o Brasil enquanto cumpria pena por tráfico no Paraguai. Recentemente ele foi extraditado e levado ao Presídio Federal de Mossoró (RN).
Boa parte do grupo, incluindo a ré e o seu ex-companheiro, responderam a processo por tráfico na 5ª Vara Federal de Londrina (PR). Nessa ação penal, escutas telefônicas feitas com autorização judicial revelaram a ligação da mulher no transporte de grande quantidade de cocaína. Porém, tais diálogos interceptados foram novamente usados pelo MPF para vincular a doméstica à droga apreendida em Paranaguá.
O advogado João Manoel Armoa postulou a absolvição da doméstica, sustentando que “ela já fora condenada com base nas interceptações telefônicas que não guardam relação com os fatos tratados na segunda ação”. Em juízo, um agente da Polícia Federal que prendeu em flagrante a doméstica no episódio de Londrina afirmou não haver provas contra ela na segunda transação de cocaína.
“A imputação dos fatos à ré, sem desrespeito ao ilustre procurador da República (autor da denúncia), é confusa, não linear e tampouco se corrobora pelos depoimentos prestados em sede policial e em juízo”, destacou o juiz. Segundo ele, os antecedentes da acusada e o fato dela ter vivido com “personagem fundamental na engrenagem da aquisição da droga no exterior”, por si só, não permitem vinculá-la ao crime posterior.

fonte:  http://www.conjur.com.br/2014-mai-10/mpf-provoca-incertezas-presuncoes-usar-prova-emprestada-juiz

Cercear HC não é caminho para reduzir trabalho dos tribunais

O número de Habeas Corpus impetrados nos Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal cresceu consideravelmente nos últimos anos — 150% de aumento entre 2008 a 2012[1] — e tal fato tem acusado apreensão em ministros e auxiliares da Justiça. Alguns chegam a indicar um uso abusivo do remédio constitucional, por advogados ou outros impetrantes, o que atrapalharia o julgamento de outros processos e afetaria o funcionamento dos trabalhos dos órgãos jurisdicionais.
O incomodo das Cortes Superiores é justificado. É desumano exigir que um tribunal como o STJ analise — em um ano — cerca de 37 mil Habeas Corpus[2] com o cuidado e a atenção merecida.
Porém, a solução proposta (e aplicada por parte da jurisprudência) não parece adequada. Diante dos números, os tribunais têm buscado limites e filtros para o uso do remédio constitucional. Para isso, passaram a não conhecer Habeas Corpus substitutivos de recursos ordinários, de recursos especiaisou extraordinários. De inicio, assentou-se que qualquer Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário seria incabível[3]. Posteriormente, percebeu-se que tal interpretação poderia impedir a apreciação de situações de evidente constrangimento ilegal da liberdade de locomoção, de forma que — em algumas manifestações — ministros do STF passaram a admitir o Habeas Corpus, mesmo que interposto em lugar do recurso ordinário, se constatada a afetação direta da liberdade de locomoção[4].
Esta última orientação é importante diante de vários fatores. Em primeiro lugar, porque a liberdade de locomoção ameaçada ou restrita ilegalmente é fato que deve ser apreciado prioritariamente em um Estado de Direito, seja qual for o instrumento pelo qual é levado às cortes. A gravidade da situação descarta os formalismos.
Em segundo lugar, pela morosidade da tramitação dos recursos ordinários. Sabe-se que tais recursos passam por uma análise de admissibilidade pelos tribunais de origem, que chega a durar meses em algumas jurisdições. Em certos casos, após a apresentação do recurso ordinário, estes tribunais encaminham a peça ao Ministério Público também da origem, para que se manifeste sobre seus termos, em diligência não prevista na Lei 8.038/90, o que contribui para maior lentidão na subida e apreciação da questão.
Por isso, seria importante que o STF revisse a posição inicial, adotando a orientação de admitir Habeas Corpus ao menos nos casos de violação (ou ameaça de) direta da liberdade de locomoção, mesmo nas hipóteses em que cabível o recurso ordinário. Com isso, consagra-se a vocação do Habeas Corpus de atravessar burocracias, questões de competência, análises formais, para fazer chegar às mãos do magistrado uma situação de urgência que merece análise imediata. Ainda que tal orientação ainda restrinja — a nosso ver, demasiado — a abrangência do Habeas Corpus, assegura ao menos o uso do remédio para as situações mais gritantes.
Há quem negue a relevância das restrições ao Habeas Corpus, sob o argumento de que, mesmo nos casos de orientação mais restritiva, sempre haverá um escape, qual seja, a análise de ofício da ilegalidade apresentada pelo impetrante. É comum que o tribunal não conheça do Habeas Corpus —porque impetrado em lugar do recurso ordinário constitucional — mas ainda assim analise seu méritode ofício. Assim, embora apresentada pelo instrumento tecnicamente incorreto (na ótica do tribunal), a questão trazida é analisada, apreciada e discutida.
No entanto, recentemente, mesmo esta análise de mérito, de ofício, vem sendo limitada. Em alguns casos o relator não conhece o Habeas Corpus, porque substitutivo de recurso ordinário, e, ao invés de remeter os autos ao colegiado para que este analise se é o caso de conceder de ofício a ordem, acaba por avaliar a questão monocraticamente. Assim, o relator decide solitariamente sobre o méritodo Habeas Corpus, concedendo-o ou não de ofício, sem a discussão coletiva, na turma.
Tal procedimento afeta sobremaneira o direito de defesa. O imperante fica sem a possibilidade de sustentar oralmente seus argumentos de mérito, uma vez que o recurso contra a decisão monocrática do relator é o agravo regimental e este não admite a exposição oral das teses.
Pode-se argumentar que a sustentação oral seria descabida, porque o Habeas Corpus não foi conhecido. No entanto, tal assertiva seria correta se o relator não analisasse o mérito da questão, e se limitasse ao não conhecimento da pretensão. Porém, ao entrar na questão de mérito — por exemplo, ao discorrer sobre a validade da prova, ou sobre a nulidade apontada — o magistrado decide sobre tais temas, manifesta-se sobre as questões postas. E se existe tal decisão, sobre o mérito é essencial que se garanta ao Impetrante o direito à sustentação oral, à apresentação de seus argumentos ao colegiado, que dará a última palavra sobre a validade da pretensão.
A análise de ofício do Habeas Corpus não conhecido, não pode ser reduzida a uma manifestação monocrática, onde não há espaço para sustentação oral. Cabe ao relator — se optar pela análise de ofício — levar a questão ao Colegiado, garantindo a plenitude da defesa[5].
Em conclusão. Sabe-se, mais uma vez, que a carga de trabalho dos tribunais é pesada, e algo deve ser feito. Mas o cerceamento ao uso do Habeas Corpus não parece o caminho adequado. Não se nega o uso abusivo do remédio por alguns, mas essa não é a regra. Pesquisa recente elaborada pela Fundação Getulio Vargas demonstrou que parcela relevante dos Habeas Corpus é deferida, em especial aqueles impetrados contra decisões de alguns Estados da Federação mais reticentes em acatar a jurisprudência dos Tribunais Superiores em questões relacionadas à liberdade[6]. Ou seja, existem decisões que somente são reformadas por esta via, e talvez a distorção não esteja no uso excessivo do Habeas Corpus, mas nas decisões questionadas.
O problema do excesso de Habeas Corpus existe, o diagnóstico é acertado, mas o remédio proposto apenas fará com que as certas ilegalidades — hoje reconhecidas pelas Cortes Superiores — sejam perpetuadas. O número de demandas nesta seara não é a doença, mas o sintoma, a manifestação visível de que existem decisões que precisam ser reformadas. Cortar este sintoma pode significar a perda do parâmetro sobre possíveis ilegalidades, e isso não parece adequado, ainda mais quando o último recurso para preservar a liberdade está nas mãos dos tribunais mencionados.

fonte:  http://www.conjur.com.br/2014-mai-06/direito-defesa-cercear-hc-nao-caminho-reduzir-trabalho-tribunais

segunda-feira, 5 de maio de 2014

DIREITO PENAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA.


O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP). De fato, o art. 330 do CP dispõe sobre o crime de desobediência, que consiste em “desobedecer a ordem legal de funcionário público”. Para esse crime, entende o STJ que as determinações cujo cumprimento seja assegurado por sanções de natureza civil, processual civil ou administrativa retiram a tipicidade do delito de desobediência, salvo se houver ressalva expressa da lei quanto à possibilidade de aplicação cumulativa do art. 330 do CP (HC 16.940-DF, Quinta Turma, DJ 18/11/2002). Nesse contexto, o art. 22, § 4º, da Lei 11.340/2006 diz que se aplica às medidas protetivas, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 do CPC, ou seja, no caso de descumprimento de medida protetiva, pode o juiz fixar providência com o objetivo de alcançar a tutela específica da obrigação, afastando-se o crime de desobediência. Vale ressaltar que, a exclusão do crime em questão ocorre tanto no caso de previsão legal de penalidade administrativa ou civil como no caso de penalidade de cunho processual penal. Assim, quando o descumprimento da medida protetiva der ensejo à prisão preventiva, nos termos do art. 313, III, do CPP, também não há falar em crime de desobediência. REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/3/2014.

Um em 25 réus no corredor da morte é provavelmente inocente

De cada 25 presos sentenciados à pena de morte, nos EUA, um é provavelmente inocente, de acordo com um estudo do Centro de Informações sobre a Pena de Morte, divulgado nesta terça-feira (29/4). O estudo, feito por professores e pesquisadores de universidades de Michigan e da Pensilvânia, foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
O estudo afirma que apenas 1,6% dos presos sentenciados à pena de morte são efetivamente libertados. Porém, a maioria dos inocentes no corredor da morte têm sua pena convertida para prisão perpétua e, quando eles são incluídos nas estatísticas, o percentual sobe para 4,1%. Essa é uma “estimativa conservadora” do número de condenações erradas nos EUA, dizem os autores.
“Desde 1973, quase 8,5 mil réus foram sentenciados à pena de morte nos Estados Unidos, dos quais 138 foram libertados”, diz o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan Samuel Gross, um dos autores do estudo. “Porém, nosso estudo demonstra que muitos outros réus inocentes foram condenados à morte nesse período. Mais de 60% desses réus inocentes teve a pena capital convertida em prisão perpétua e foram esquecidos”, afirmam.
Segundo o estudo, denominado "A taxa de condenações erradas de réus sentenciados à morte”, os presos inocentes que permanecem no corredor da morte têm mais chances de ganhar a liberdade do que aqueles que tiveram a pena “reduzida” para prisão perpétua. “Ironicamente, os presos que permanecem no corredor da morte têm os seus casos escrutinados, o que não acontece com os sentenciados à prisão perpétua”.
O estudo afirma que as pesquisas desmentem o ministro da Suprema Corte dos EUA Antonin Scalia, que escreveu em uma decisão de 2007 que a taxa de erros em condenações criminais nos EUA era de apenas 0,027% — ou, para colocar esse dado de outra forma, a taxa de sucesso era de 99,973%.
Os autores dizem que a declaração de Scalia “seria confortante, não fosse falsa". De fato, é uma reivindicação tola: a taxa de Scalia é derivada divisão do número de libertações ocorridas na época (levando-se em conta apenas casos de homicídio e estupro) pelo número total de todos os crimes registrados oficialmente (que abrangiam, ainda, posse de drogas, furtos de carros ou sonegação de imposto de renda).
As sentenças de pena de morte representam menos de 0,1% de todas as condenações nos EUA. Mas também representam 12% de todos os casos de libertação de presos inocentes, no período de 1989 a 2012, segundo as estatísticas.
De acordo com o estudo, as condenações à pena de morte vêm declinando nos Estados Unidos. Desde a década de 90, ocorreu uma redução de 75% no número de aplicação da pena capital. E as execuções caíram pela metade.
Até agora, 18 dos 50 estados americanos extinguiram a pena de morte. E as execuções são suspensas indefinidamente por governadores em quatro estados, porque a pena de morte é a única condenação errada que não gera qualquer tipo de reparação à vítima, depois de executada.
A taxa de condenações de réus inocentes é tida, nos EUA, como “meramente desconhecida e impossível de conhecer”. Na verdade, muito poucas condenações erradas são descobertas a qualquer tempo, principalmente entre réus que não são sentenciados à morte e que não dispõem de meios para provar a própria inocência.
Nesse caso, se for para ser condenado, ser sentenciado à pena de morte pode ser o melhor remédio, porque o próprio sistema se encarrega de continuar investigando o caso, para não executar mais um inocente, como já tem ocorrido tantas vezes no passado.

fonte: http://www.conjur.com.br/2014-mai-01/25-reus-corredor-morte-provavelmente-inocente-estudo

Domínio do fato não dispensa provas do envolvimento do réu

Passou despercebida uma fala do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento da Ação Penal 465, que tratou de acusações contra o ex-presidente Fernando Collor, hoje senador. Ele disse: “Há um déficit probatório bem significativo na denúncia que não pode ser suprido simplesmente pela teoria do domínio do fato. Ela nunca dispensou a comprovação de que aquele que tem o domínio do fato de algum modo tenha concorrido para um dos atos do plano global [do delito], por ação ou omissão”.
A ação se reporta a crimes cometidos em 1991, quando Collor era presidente da República, e chegou ao Supremo em 2007. Foi distribuída ao ministro Menezes Direito e, em 2009, passou para o gabinete da ministra Cámen Lúcia, que o relatou na sessão do dia 24 de abril.
Cármen Lúcia votou pela absolvição de Collor dos três crimes dos quais era acusado: peculato, corrupção ativa e falsidade ideológica. A denúncia narrava a participação de Collor num esquema de desvio de verba pública por meio de contratos de publicidade. De acordo com o Ministério Público Federal, o então presidente da República favorecia empresários com dinheiro que, em troca, pagavam suas despesas pessoais.
De acordo com o voto da ministra Cármen, a denúncia se baseou apenas em depoimentos e não apresentou provas da narrativa. O revisor, ministro Dias Toffoli, atentou para o fato de que dois dos crimes, corrupção e falsidade, já haviam prescrito, mas acompanhou a relatora por entender que o juízo absolutório é mais benéfico ao réu do que a declaração de prescrição das acusações. O ministro Barroso também acompanhou a relatora.
Foi então a vez de o ministro Teori (foto) votar. Ele alertou que, se duas das acusações estavam prescritas, o Supremo não poderia julgá-las. Se a pretensão punitiva do Estado já não se fazia mais presente, o Judiciário não poderia entrar no mérito das acusações, ainda que para absolver, argumentou. “Se fizermos isso, vamos interpretar que o juízo absolutório, por ser mais benéfico, tem que ser feito e com isso vamos acabar com a prescrição em abstrato”, afirmou. “Quem não pode condenar também não pode absolver.”

Esse foi o centro da argumentação do ministro Teori Zavascki. Diante disso, continuou, a acusação de peculato “ficou ainda mais capenga”. Em suas alegações finais, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, afirmou que a análise dos autos levava à conclusão de que Collor tinha “pleno conhecimento” dos fatos criminosos que aconteciam em seu governo, e por isso deveria ser aplicada a teoria do domínio do fato.
No entanto, o ministro Teori foi contundente em afirmar que tal teoria não dispensa a comprovação de que a pessoa acusada de ter o domínio do fato concorreu de alguma forma para o crime, nem que seja de forma indireta. A falta de provas na denúncia chegara a um nível insuperável por meio do Judiciário, segundo Teori. Ele foi acompanhado pelos demais ministros presentes.
Domínio do fato
A teoria do domínio do fato foi citada pela primeira vez no Supremo pelo ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel. Foi a forma encontrada por ele para incluir o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu entre os réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão. A ação julgou acusações de pagamento de propina, por membros do governo federal, a membros do Congresso em troca de apoio político. Ao todo, foram 37 réus entre membros do Executivo, empresários, banqueiros e parlamentares.

Segundo Gurgel, a teoria foi lembrada porque não haviam provas diretas do envolvimento de Dirceu nos crimes narrados pela denúncia. As evidências eram todas indiretas, mas indicavam que o ex-ministro, por ser, à época, um dos comandantes do PT e ocupar um cargo importante no governo federal, tinha conhecimento dos crimes cometidos pelo Executivo.
"A teoria do domínio do fato vem para dizer que essas provas indicam que ele se encontrava numa posição de liderança nesse sistema criminoso. Então, é possível, sim, responsabilizá-lo a despeito da inexistência da prova direta. Prova havia bastante do envolvimento dele", disse, em janeiro deste ano, à Folha de S.Paulo.
Em outubro de 2012, o Supremo condenou, por 6 votos a 4, o ex-ministro José Dirceu a 10 anos e 10 meses de prisão por formação de quadrilha e corrupção ativa. A teoria do domínio do fato foi amplamente discutida pelos ministros e foi um dos argumentos usados para condenar Dirceu pela participação no esquema do mensalão.
Nazismo
A teoria do domínio do fato foi publicada em 1963 pelo jurista alemão Claus Roxin. Ele a desenvolveu preocupado com o destindo dos crimes cometidos por oficiais do partido nazista nos tribunais. Eles estavam sendo condenados como partícipes dos crimes contra a humanidade cometidos contra judeus na época em que os nazistas estavam no poder na Alemanha, entre os anos 1930 e 1940.

“O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época”, afirmou Roxin, também em entrevista à Folha. Mas na mesma entrevista ele afirmou que “a posição hierárquica não fundamenta o domínio do fato”. “O mero ter que saber não basta.”
Alguns advogados, envolvidos no processo do mensalão ou não, também foram bastante críticos ao uso da teoria do domínio do fato. O criminalista Andrei  Zenkner, por exemplo, disse em palestra que o Supremo aplicou a teoria “de maneira grotesca”. Para ele, o domínio do fato foi transformado em regra processual penal para tratar de questões ligadas a ônus da prova. “Transportou-se para o Direito Processual Penal uma norma do Direito Penal; uma maneira estelionatária de lidar com o problema da falta de provas”, afirmou.
Outro dos que criticaram a condenação de Dirceu foi o advogado Márcio Thomaz Bastos, que defendeu José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural, na AP 470. Para ele, o uso indiscriminado da teoria pode transformá-la em “sinônimo de responsabilidade objetiva”. “É preciso prova de que a pessoa sabia que aquilo estava acontecendo, que tinha o poder de interromper e não interrompeu porque não quis”, disse em entrevista ao Estado de S. Paulo
Clique aqui para ver o julgamento da Ação Penal 465.
Clique aqui para ver o voto do ministro Teori Zavascki na AP 465.

fonte: http://www.conjur.com.br/2014-abr-29/dominio-fato-nunca-dispensou-provas-envolvimento-reu-teori