quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

"Sábio é o ser humano que tem coragem de ir diante do espelho da sua alma para reconhecer seus erros e fracassos e utilizá-los para plantar as mais belas sementes no terreno de sua inteligência" AUGUSTO CURY

"Exagero na racionalização dos trabalhos dos tribunais prejudica cidadania"


O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, é o autor da tese que levou a corte a adotar uma das jurisprudência que mais causou polêmica nos últimos tempos. É a opção pelo Habeas Corpus de ofício contra o uso do HC substitutivo de recurso ordinário.
A quantidade de HCs que chega à corte é enorme, e o remédio encontrado pela 1ª Turma do STF, da qual Marco Aurélio faz parte, foi não conhecer mais do HC impetrado como substituto de recurso ordinário constitucional. E foi ele quem trouxe o meio termo: se o HC for impetrado onde caberia o recurso ordinário, a turma não deve conhecer, mas se houver violação á liberdade de ir e vir, a ordem deve ser concedida de ofício.
Criou-se o Habeas Corpus de ofício. A 2ª Turma não embarcou nessa tese, e muitos advogados reclamaram que o Supremo estava usando de subterfúgios teóricos para restringir sua própria competência penal. E quem sai prejudicado é o cidadão preso injustamente. Pouco mais de dois anos depois dessa movimentação jurisprudencial, o ministro Marco Aurélio comenta: “Se arrependimento matasse, hoje eu estaria morto”.
Advogados relatam que o Supremo tem usado decisões judiciais para sinalizar uma redução de sua jurisdição criminal, o que seria ilegítimo. Reclamam que as turmas estão ampliando o uso da Súmula 691, que impede a concessão de Habeas Corpus contra decisão liminar de relator do caso no Superior Tribunal de Justiça, e também que estão rejeitando HC quando há Recurso Especial já em trâmite no STJ. Ou quando a decisão condenatória já transitou em julgado.
E não são só os advogados. Na sessão do dia 9 de dezembro, o ministro Gilmar Mendes, da 2ª Turma, criticou a “moda na tentativa de esvaziar o Habeas Corpus”. O tema sempre opôs Gilmar e o vice-decano. O primeiro por entender que a tal jurisprudência defensiva rompe com uma tradição já quase bicentenária por causa do excesso de Habeas Corpus em trâmite. Marco Aurélio por defender que o excesso de HCs justificaria essa contenção jurisprudencial.
Hoje o ministro Marco Aurélio concorda com o colega e com os advogados. Afirma que, em nome da promoção de uma “racionalização” no uso do HC, o Supremo abusou do que o o ministro chama de “autodefesa” contra a sobrecarga de processos. “Para utilizar uma expressão que ouvi pela primeira vez do ministro Francisco Rezek, o Habeas Corpus foi muito barateado. Passou a ser praticamente Bombril”, disse em entrevista àConJur, fazendo alusão ao produto de "mil e uma utilidades".
Segundo Marco Aurélio, houve um “abuso no manejamento do Habeas Corpus”, e por isso o tribunal passou a delimitar mais as possibilidades de impetração. “Cabia uma racionalização, mas sem chegar a extremos”, afirma. “Em Direito o meio justifica o fim e não o fim ao meio. Se você pode chegar a um resultado tendo em conta o direito posto você chega. Se não pode, tem que recuar.”
O ministro recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico para conceder a entrevista que comporá seu perfil no Anuário da Justiça Brasil 2015. As conversas, anuais, já fazem parte do calendário do ministro Marco Aurélio, segundo ele mesmo, sempre um dos primeiros a atender o pedido.
Leia a entrevista:
ConJur — Muitos advogados reclamam que o Supremo tem restringido a própria competência penal por meio da jurisdição. Falam da jurisprudência do Habeas Corpus de ofício e de um endurecimento na aplicação da Súmula 691. O senhor concorda?

Ministro Marco Aurélio — Se arrependimento matasse, hoje eu estaria morto. 

ConJur — Como assim?

Marco Aurélio — Pela tese que eu suscitei de não se admitir o Habeas Corpus substitutivo do recurso ordinário constitucional, para três meses depois eu próprio chegar ao meio termo. E os antigos diziam que a virtude está no meio termo. As posições extremadas devem ser abandonadas. Mas de que forma? Admitindo o Habeas Corpus toda vez que estiver em jogo a liberdade de ir e vir do paciente, quer por estar na rua um mandado de prisão ou por ele já ter sido implementado. Mas a partir desse entendimento, a ótica de se adotar um rigor maior na adequaçaõ caiu tão a gosto que passaram, por exemplo, a apontar: se já transitou em julgado não cabia Habeas Corpus; se a decisão poderia ter sido impugnada, é o caso de ir para o STJ mediante o Recurso Especial. E se a parte não manejou o especial não cabe Habeas Corpus. Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura maior, porque prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus. 

ConJur — Então os advogados têm razão: tem havido restrição à jurisdição criminal.

Marco Aurélio — A meu ver está havendo certo exagero na racionalização dos trabalhos em prejuízo da cidadania e dos cidadãos em geral. Ou seja, se está potencializando, para utilizar um português bem claro, a mais não poder, a autodefesa, tendo em conta a sobrecarga de processos. Mas a sobrecarga de processos não autoriza o órgão julgador a forçar a mão para se ver livre destes ou daqueles processos. O jurisdicionado não pode ser prejudicado.

ConJur — O que o senhor quer dizer com “exagero na racionalização dos trabalhos”?

Marco Aurélio – Ocorreu, e os impetrantes têm que admitir, um abuso no manejamento do Habeas Corpus. Para utilizar uma expressão que ouvi pela primeira vez do ministro Francisco Rezek, o Habeas Corpus foi muito barateado. Passou a ser praticamente Bombril. E cabia uma racionalização, mas sem chegar a extremos. Ou seja, adotando-se uma posição intermediária, que é a mais aceitável. Por isso é que eu disse que houve uma racionalização num enxugamento do número de Habeas Corpus. E em Direito o meio justifica o fim e não o fim o meio. Se você pode chegar a um resultado tendo em conta o direito posto você chega. Se não pode, tem que recuar.

ConJur — Ano passado o senhor voltou a criticar os colegas por atraso no início das sessões. Isso continua?

Marco Aurélio – Precisamos ser um pouquinho mais afeitos ao cumprimento dos horários. Mas hoje temos dois fenômenos que preocupam. Há uma cadeira vaga, reconheço. E tarda a designação daquele que a ocupará, porque o ministro Joaquim Barbosa se aposentou em agosto. Mas há duas coisas que me preocupam muito. O problema do horário, porque nós temos outros compromissos, o nosso trabalho não se limita à sessão. E a outra questão  é a existência de varias cadeiras vazias no Plenário. 

ConJur — Falta de quórum?

Marco Aurélio — Hoje, por exemplo, havia uma tropa de advogados para julgar uma matéria importantíssima, tendo em conta a inconstitucionalidade ou não – foi declarada a inconstitucionalidade pelo TJ do Rio – da possibilidade de se ter o contrato de alienação fiduciária registrado apenas no Detran. Ou seja, a notícia da alienação no certificado de propriedade. Os advogados vieram dos estados para o julgamento dessa ação. Por que não julgamos? Porque não havia oito integrantes no Plenário que participassem do julgamento. À época da velha guarda dificilmente se tinha uma cadeira vaga.

ConJur — O senhor atribui isso a alguma coisa?

Marco Aurélio — Atribuo à quadra vivenciada pelo Brasil. É uma quadra de abandono a princípios, de perda de parâmetros, de inversão de valores, em que o dito passa pelo não dito, o certo pelo errado. E o Supremo é a última trincheira da cidadania, ele deve dar o exemplo.

ConJur — O princípio da insignificância pode ser aplicado a réu reincidente?

Marco Aurélio — Veja, geralmente se articula o princípio da insignificância no caso de furto. Mas quanto ao furto, o juiz pode inclusive deixar de aplicar a pena e aplicar apenas a pena de multa, em se tratando de coisa furtada de pequeno valor. Também no campo da autodefesa se passou a confundir o problema do instituto da ausência de interesse na persecução criminal com uma disciplina que houve na Fazenda quanto às execuções fiscais. E aí essa disciplina apontou que em se tratando de execução menor do que R$ 20 mil, o processo de execução fica suspenso para aguardar-se outros débitos e aí haver a cumulação. Mas é uma disciplina administrativa que não repercute no campo penal. Mas passou-se a proclamar. A minha turma conclui dessa forma, por exemplo, no caso de descaminho, em que, quando o valor do tributo devido é inferior a R$ 20 mil, não há interesse do Estado acusador em ingressar com ação penal.

ConJur — Esse valor antes era de R$ 10 mil, não era? 

Marco Aurélio — Era R$ 10 mil e majoraram. Mas nós sabemos que a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa são distintas da responsabilidade penal. O pronunciamento no campo penal repercute nos outros campos se você declarar inexistente o fato ou que não houve autoria. Mas a recíproca não é verdadeira. O que decidido no campo administrativo ou civil não repercute no campo penal. As responsabilidades são diversas.

ConJur — Então não deveria haver critério objetivo para a insignificância?

Marco Aurélio — Não, não, não. E temos que perceber que há certos crimes em que não se pode cogitar da insignificância. Por exemplo, o crime praticado que se revele um crime militar. Nós não podemos, ante dois predicados das Forças Armadas, a hierarquia e a disciplina, cogitar de insignificância. Senão vai virar uma babel o quartel. Em segundo lugar, o instituto da insignificância é uma construção jurisprudencial. Então não podemos exacerbar essa construção.

ConJur — A discussão da exacerbação é recorrente, principalmente quando se trata de controle de constitucionalidade. O senhor acha que o Supremo tem exacerbado seu próprio papel? 

Marco Aurélio — Há um princípio que tem de estar presente, que é o da autocontenção. Quanto mais escassa a possibilidade de se reverter o quadro decisório, maior tem que ser o cuidado da decisão. Não é o fato de o Supremo não ter acima dele um órgão para rever as respectivas decisões que o levará a atuar fora das balizas reveladas pelo arcabouço normativo. E eu costumo dizer, principalmente quando em jogo outros Poderes, que quando o Supremo avança e extravasa certos limites ele lança um bumerangue que poderá voltar e bater na teste dele, o Supremo.

ConJur — A repercussão geral vem sendo tratada como um gargalo. O Supremo reconhece mais casos do que pode julgar. Deve haver limite para o reconhecimento?

Marco Aurélio — De inicio, não. Tem que haver uma conscientização quanto ao fato de que a repercussão geral veio como um filtro, para o Supremo de certa forma pinçar o que ele acha que deve julgar. Mas quando surge um instituto, a tendência é de se potencializar, de se acionar e se ter vários casos reconhecidos. Foi o que ocorreu. Estávamos numa situação crítica no Plenário que já foi resolvida: o Plenário não tinha tempo pra julgar recurso extraordinário com repercussão geral. Agora nós temos julgado e muito, numa produção que está surpreendendo a todos, porque deslocamos o que podíamos deslocar via regimento para as turmas, que são o Supremo dividido.

ConJur — Então o Plenário hoje está livre para discutir as questões mais importantes

Marco Aurélio — A tendência é que o Plenário só discuta questões de controle concentrado — processo objetivo pra declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei — e recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida.

ConJur — Na discussão sobre a existência ou não da repercussão geral, a divergência deve ser fundamentada? Ou basta que se diga “sim” ou “não”?

Marco Aurélio — Hoje é sim ou não. Eu fundamento todos e não deixo de me pronunciar, porque o tribunal admite que, em se omitindo o integrante no prazo de 20 dias, que é o prazo em que o processo fica na telinha do denominado Plenário Virtual, esse ato omissivo, como se pudesse haver, em termos de voto, ato omissivo, é no sentido de admitir-se a repercussão. Mas isso é muito ruim. Agora, claro que antes de o relator colocar o processo no Plenário Virtual ele deve exercer um crivo quanto aos pressupostos de recorribilidade. 

ConJur — Era isso o que estava sendo discutido no caso do Seguro de Acidente de Trabalho, não é?

Marco Aurélio — Isso, estamos votando essa matéria no caso do SAT, o Seguro de Acidente de Trabalho. Entre os pressupostos de recorribilidade tem um formal, que é capítulo próprio versando a repercussão nas razões do extraordinário. No caso concreto não havia. Mas mesmo assim temos quatro votos querendo julgar de qualquer forma. Se julgarmos de qualquer forma estaremos adotando uma posição conflitante com o que todos os gabinetes fazem. Agora mesmo acabei de julgar uma lista do presidente, de seis processos, em que ele negou o seguimento do extraordinário por não ter esse capítulo. Nesse caso nós presumimos o que normalmente ocorre, que o relator tenha apreciado e tenha concluído de forma positiva. Como é que num caso, só porque passou pelo Plenário Virtual e nós não apreciamos se há ou não o capítulo, podemos julgar um recurso extraordinário em que não há, como disse em Plenário, sequer uma vírgula, num arroubo de retórica eu disse isso, sobre repercussão geral?

ConJur — O uso do Plenário Virtual tem que ser ampliado?

Marco Aurélio — Não. Fui voto vencido quanto ao Plenário Virtual para essa finalidade. Passaram posteriormente a entender que poderia haver confirmação da jurisprudência num plenário virtual. Se você entende que pode haver confirmação, pode haver também suplantação. Entendo que o Plenário Virtual está, considerada a maioria, de bom tamanho e deve usar só a definição se há ou não a repercussão geral.

ConJur — O que acha da proposta de se redistribuir o caso depois que o tribunal reconhece a repercussão geral?

Marco Aurélio — Essa é a proposta do ministro Luis Roberto Barroso, e eu não concebo termos no mesmo processo dois relatores. Um para veicular o tema no Plenário Virtual e outro para relatar, uma vez admitida a repercussão, o recurso extraordinário. Não vejo em que ponto haveria o aspecto positivo nessa dualidade.

ConJur  Não faria diferença?

Marco Aurélio  O problema não está aí. Eu, por exemplo, me recuso a receber votos antes do pregão do processo e a remeter meus votos para os colegas. Disse outro dia, pilheriando, que eu não recebo porque sou um juiz muito sugestionável, sou muito voluntarioso. Não é o caso. Eu quero, na bancada, estar solto, sem ideia preconcebida. E se eu recebo algo já estruturado qual é a minha tendência? A lei do menor esforço, acompanhar o relator. E quero ouvir principalmente os senhores advogados, a sustentação da tribuna tem eficácia. E perceber as discussões no Plenário. O que eu noto atualmente é que a maioria já vai com o voto escrito. Eu prefiro, em termos de participação, o voto oral ou espontâneo.

ConJur — Isso de levar o voto pronto é um fenômeno recente, não é?

Marco Aurélio —  Os vogais sempre votaram no Supremo de improviso. Mesmo porque, devo confessar, não tenho tempo nem para confeccionar votos nos processos nos quais eu sou o relator, o que direi quanto a processos de colegas. A rigor se passa a ter, com confecção prévia, revisão em recurso em que não há a figura do revisor.

ConJur — E mesmo nos votos em que o senhor é relator, o senhor vota falando num gravador, não é? 

Marco Aurélio — Desde 1977. Eu estava na Procuradoria do Trabalho e comecei a utilizar o Ditafone e me adaptei muito a isso. O segredo de gravar é não querer ver o que você já gravou. Se ficar retroagindo a fita você se perde, e ao invés de ganhar tempo, você perde tempo. A gravação é uma marcha. E depois que eu gravo, tem uma moça aqui no gabinete que é a moça que mais me ouve na vida, porque ela degrava, o voto vai para um setor sensível do gabinete, que é o de revisão. Lá só trabalham moças, tem uma chefe, que tem um curso superior em português, e o setor faz a revisão do estilo, substitui palavras que não foram bem percebidas pela degravadora. E com isso, enquanto eu faço cinco votos, por exemplo, de processos nos quais sou o relator, porque não faço voto prévio em processo alheio, o colega talvez não faça um digitando ou escrevendo a mão. Por isso é que eu consigo atuar e agora mesmo estou na dianteira da estatística.

ConJur — Ano passado o senhor falou que tinha mais de 100 casos prontos pra julgar que não eram levados à pauta.

Marco Aurélio — Hoje eu tenho cerca de 85 casos. Já diminuiu bem, porque o atual presidente passou a me dar preferência, porque estou na reta final para a expulsória. De qualquer forma sou o juiz que tem mais casos liberados para julgamento. Eu nunca pedi a presidente algum pra colocar na pauta um processo meu, porque eu busco tratamento igualitário dos jurisdicionados.

fonte: http://www.conjur.com.br/2014-dez-21/entrevista-marco-aurelio-ministro-supremo-tribunal-federal

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

BOAS FESTAS!

Que 2015 seja um ano repleto de realizações!!




BLOG
TATUÍ e a JUSTIÇA

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Por que o juiz não pode condenar quando o Ministério Público pedir a absolvição?

O artigo 385 do CPP vem sendo há décadas aplicado sem maior reflexão e, o que é mais grave, contribuindo para a manutenção da cultura inquisitória e a desconsideração do objeto do processo penal, um tema árido, pouco discutido, mas fundamental. Partindo de Guasp[1] enten­de­mos que “obje­to do pro­ces­so é a maté­ria sobre a qual recai o com­ple­xo de ele­men­tos que inte­gram o pro­ces­so e não se con­fun­de com a causa ou prin­cí­pio, nem com o seu fim”.Por isso, não é obje­to do pro­ces­so o fun­da­men­to a que deve sua exis­tên­cia (ins­tru­men­ta­li­da­de cons­ti­tu­cio­nal) nem a fun­ção ou fim a que, ainda que de forma ime­dia­ta, está cha­ma­do a rea­li­zar (a satis­fa­ção jurí­di­ca da pre­ten­são ou resis­tên­cia). Também não se con­fun­de com sua natu­re­za jurí­di­ca —situa­ção pro­ces­sual (ou relação jurídica, para os que ainda são adeptos da teoria de Bülow).
Há um grave erro his­tó­ri­co da con­cep­ção de Karl Binding, que aponta para a “pre­ten­são puni­ti­va” como objeto do processo penal, pois trans­por­ta cate­go­rias do pro­ces­so civil para o pro­ces­so penal, colo­can­do o Ministério Público como ver­da­dei­ro “cre­dor” de uma pena, como se fosse um cre­dor do pro­ces­so civil.
É importante sublinhar que adotamos o conceito de pretensão, mas nunca na acepção civi­lis­ta de Carnelutti, senão na linha de Guasp e J. Goldschmidt, que dando um giro no con­cei­to de pre­ten­são o con­ce­be ape­nas como umapotes­tas agen­di, ou de ius ut procedatur (Gomez Orbaneja). O Estado pos­sui um poder con­di­cio­na­do de punir, que somen­te pode ser exer­ci­do após a sub­mis­são ao pro­ces­so penal (princípio da necessidade). Então, o acu­sa­dor exer­ce é um poder de pro­ce­der con­tra ­alguém, submetendo-o ao pro­ces­so penal, ao juízo cog­ni­ti­vo.
O erro da concepção da ‘pretensão punitiva’ está em pensar que o Estado com­pa­re­ce no pro­ces­so penal atra­vés do MP da mesma forma que o par­ti­cu­lar no pro­ces­so civil, como se a exi­gên­cia puni­ti­va fosse exer­ci­da no pro­ces­so penal de igual modo que no pro­ces­so civil atua o titu­lar de um Direito pri­va­do. Aqui está o ­núcleo do erro: pen­sar o acu­sa­dor como cre­dor. Se no Direito Civil exis­te a “exi­gên­cia jurí­di­ca”, pois exis­te a pos­si­bi­li­da­de de efe­ti­va­ção do Direito Civil fora do pro­ces­so civil (ao con­trá­rio do Direito Penal, que só pos­sui rea­li­da­de con­cre­ta atra­vés do pro­ces­so penal) e a pre­ten­são só nasce quan­do há a resis­tên­cia, a lide. Logo, o autor no pro­ces­so civil (ver­da­dei­ro cre­dor na rela­ção de direi­to mate­rial) pede ao juiz a adju­di­ca­ção de um direi­to pró­prio, que dian­te da resis­tên­cia ele não pode obter. Essa exi­gên­cia jurí­di­ca exis­te antes do pro­ces­so civil e nasce da rela­ção do sujei­to como bem da vida.
Isso não exis­te no pro­ces­so penal. Não há tal “exi­gên­cia jurí­di­ca” que possa ser efe­ti­va­da fora do pro­ces­so penal. O Direito Penal não tem rea­li­da­de con­cre­ta fora do pro­ces­so penal. Logo, não pré-exis­te nenhu­ma exi­gên­cia puni­ti­va que possa ser rea­li­za­da fora do pro­ces­so.
E o Ministério Público (ou que­re­lan­te) não pede a adju­di­ca­ção de um direi­to pró­prio, por­que esse direi­to (potes­ta­ti­vo) de punir não lhe cor­res­pon­de, está nas mãos do juiz. O Estado rea­li­za seu poder de punir não como parte, mas como juiz. Não exis­te rela­ção jurí­di­ca entre o Estado-acu­sa­dor e o impu­ta­do, sim­ples­men­te por­que não exis­te uma exi­gên­cia puni­ti­va nas mãos do acu­sa­dor e que even­tual­men­te pudes­se ser efe­ti­va­da fora do pro­ces­so penal (o que exis­te é um poder de penar e den­tro do pro­ces­so). Aqui está o erro de pen­sar a pre­ten­são puni­ti­va como obje­to do pro­ces­so penal, como se aqui o fenô­me­no fosse igual ao do pro­ces­so civil. Por isso, o acu­sa­dor detém o poder de acu­sar, não de penar. Logo, ­jamais pode­ria ser uma pre­ten­são puni­ti­va. Como disse Carnelutti[2], “ao acu­sa­dor não lhe com­pe­te a potes­tas de cas­ti­gar, mas só de pro­mo­ver o cas­ti­go”.
O acusador tem, portanto, a pretensão acusatória (ius ut procedatur) cujo exercício é fundamental para dar inicio e desenvolvimento ao processo. O poder de punir — que é do juiz e não do MP › somente poderá ser exercido após o pleno e exitoso exercício da pretensão acusatória. É o juiz quem detém o poder con­di­cio­na­do de punir.
E por que, então, o juiz não pode condenar quando o Ministério Púbico pedir a absolvição?
Exatamente porque o poder puni­ti­vo esta­tal — nas mãos do juiz — está con­di­ciona­do à invo­ca­ção feita pelo Ministério Público atra­vés do exer­cí­cio da pre­ten­são acu­sa­tó­ria. Logo, o pedi­do de absol­vi­ção equi­va­le ao não exer­cí­cio da pre­ten­são acu­sa­tó­ria, isto é, o acu­sa­dor está abrin­do mão de pro­ce­der con­tra alguém. Como consequência, não pode o juiz con­de­nar, sob pena de exer­cer o poder puni­ti­vo sem a neces­sá­ria invo­ca­ção, no mais claro retro­ces­so ao mode­lo inqui­si­ti­vo. Condenar sem pedido é violar, inequivocamente, a regra do fundante do sistema acusatório que é o ne procedat iudex ex officio. Também é rasgar o Princípio da Correlação, na medida em que o espaço decisório vem demarcado pelo espaço acusatório e, por decorrência, do espaço ocupado pelo contraditório, na medida em que a decisão deve ser construída em contraditório (Fazzalari).
O poder punitivo é condicionado à exis­tên­cia de uma acu­sa­ção. Essa cons­tru­ção é ine­xo­rá­vel, se real­men­te se quer efe­ti­var o pro­je­to acu­sa­tó­rio da Constituição. Significa dizer: aqui está um ele­men­to fun­dan­te do sis­te­ma acu­sa­tó­rio.
Portanto, é incompatível com o modelo constitucional a regra prevista no atual artigo 385 do CPP . No mesmo sentido, ainda que fazendo um caminho diferente, Geraldo Prado[3] afir­ma que “isso não sig­ni­fi­ca dizer que o juiz está auto­ri­za­do a con­de­nar naque­les pro­ces­sos em que o Ministério Público haja reque­ri­do a absol­vi­ção do réu, como pre­ten­de o arti­go 385 do Código de Processo Penal Brasileiro. Pelo con­trá­rio. Como o con­tra­di­tó­rio é impe­ra­ti­vo para vali­da­de da sen­ten­ça que o juiz venha a pro­fe­rir, ou, dito de outra manei­ra, como o juiz não pode fun­da­men­tar sua deci­são con­de­na­tó­ria em pro­vas ou argu­men­tos que não ­tenham sido obje­to de con­tra­di­tó­rio, é nula a sen­ten­ça con­de­na­tó­ria pro­fe­ri­da quan­do a acu­sa­ção opina pela absol­vi­ção. O fun­da­men­to da nuli­da­de é a vio­la­ção do con­tra­di­tó­rio (arti­go 5º, inci­so LV, da Constituição da República).”
Também não se pode admitir, por outro lado, que se presuma serem os Promotores de Justiça ou Procuradores da República despreparados, prevaricadores ou incapazes de levar a cabo a acusação, a ponto de justificar-se a figura de um juiz-inquisidor que vai substituí-los no final do processo, para condenar sem acusação. Em democracia, a distinção de papéis e poderes exige responsabilidade, ou seja, ônus e bônus.
Como consequência, não pode o juiz con­de­nar, sob pena de exer­cer o poder puni­ti­vo sem a neces­sá­ria invo­ca­ção, no mais claro retro­ces­so ao mode­lo inqui­si­ti­vo. Processualmente falando, o correto (diante de tal situação) seria que o juiz proferisse uma decisão de extinção do processo sem julgamento do mérito. Na falta de previsão legal, só nos resta a absolvição.
Concluindo, se no pro­ces­so civil o con­teú­do da pre­ten­são é a ale­ga­ção de um direi­to pró­prio e o pedi­do de adju­di­ca­ção, no pro­ces­so penal é a afir­ma­ção do nas­ci­men­to de um direi­to judi­cial de punir e a soli­ci­ta­ção de que o Estado exer­ça esse direi­to (potes­tas). O acu­sa­dor tem exclu­si­va­men­te um poder de acu­sar (ius ut procedatur), afir­man­do a exis­tên­cia de um deli­to e, em decor­rên­cia disso, pede ao juiz (Estado-Tribunal) que exer­ci­te o seu poder de con­de­nar o cul­pa­do e exe­cu­tar a pena.
O Estado rea­li­za seu poder de punir no pro­ces­so penal não como parte, mas como juiz, e esse poder puni­ti­vo está con­di­cio­na­do ao pré­vio exer­cí­cio da pre­ten­são acu­sa­tó­ria. A pre­ten­são ­social que nas­ceu com o deli­to, é ele­va­da ao sta­tus de pre­ten­são jurí­di­ca de acu­sar, para pos­si­bi­li­tar o nas­ci­men­to do pro­ces­so. Nesse momen­to tam­bém nasce para Estado o poder de punir, mas seu exer­cí­cio está con­di­cio­na­do à exis­tên­cia pré­via e total do pro­ces­so penal.
Se o acu­sa­dor dei­xar de exer­cer a pre­ten­são acu­sa­tó­ria (pedin­do a absol­vi­ção na manifestação final), cai por terra a pos­si­bi­li­da­de de o Estado-Juiz atuar o poder puni­ti­vo, sob pena de grave retrocesso a um sistema inquisitório, de juízes atuando de ofício, condenando sem acusação, rasgando o princípio da correlação e desprezando a importância e complexidade da imparcialidade.
fonte: http://www.conjur.com.br/2014-dez-05/limite-penal-juiz-nao-condenar-quando-mp-pedir-absolvicao 

Barroso defende prisão domiciliar para suprir falta de vagas em presídios

O ministro Luís Roberto Barroso defendeu o uso da prisão domiciliar como alternativa à superlotação e degradação do sistema carcerário brasileiro. De acordo com o ministro, a prisão domiciliar monitorada deveria ser usada no caso de condenados não violentos ou perigosos. Para Barroso, esses condenados só deveriam ir para o sistema prisional caso violassem as regras da domiciliar.
O posicionamento foi registrado em decisão proferida nesta terça-feira (2/12), ao negar um pedido de autorização de viagem feito por Pedro Henry, condenado na Ação Penal 470, que cumpre a pena em prisão domiciliar. O juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá havia concedido a autorização, mas o ministro não a homologou.
De acordo com Barroso, a prisão domiciliar é uma alternativa humanitária para lidar com o déficit de estabelecimentos adequados e de vagas no sistema penitenciário. Contudo, ela não perde sua natureza de pena privativa de liberdade. Segundo o ministro, a autorização só deve ser concedida em casos excepcionais. Caso contrário, poderia desmoralizar a prisão domiciliar, privando o Judiciário de utilizar essa alternativa.
“A possibilidade de condenados em prisão domiciliar viajarem livre ou regularmente, mesmo que com autorização judicial, é incompatível com a finalidade da pena. Qualquer viagem, no curso do cumprimento da pena, constitui medida excepcional, a ser deferida apenas em situações pontuais”, afirmou.
No caso, Pedro Henry pediu para viajar por três dias para participar de inauguração da Clínica Hiperbárica Santa Casa, ocasião em que iria palestrar para profissionais. “Com a devida vênia, entendo que participar de inaugurações ou proferir palestras não caracteriza a excepcionalidade aqui exigida, sendo, ao revés, incompatível com o regime prisional domiciliar”, concluiu Barroso.
O ministro explicou ainda que o exercício do direito de trabalhar enquanto se está cumprindo prisão domiciliar exige, como regra, que o trabalho seja exercido no local do cumprimento da pena. Por isso, segundo Barroso, não é aceitável “que o condenado possa viajar regularmente para participar de inaugurações ou proferir palestras em unidade da Federação diversa daquela em que se encontra em prisão domiciliar”.
Pedro Henry foi condenado na Ação Penal 470, o processo do mensalão, a sete anos e dois meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em dezembro de 2013, o condenado foi transferido para Cuiabá, onde cumpre a pena em regime de prisão domiciliar monitorada. A defesa de Henry apresentou pedido de progressão para o regime aberto, que ainda não foi decidido pelo relator.
Clique aqui para ler a decisão.
Execução Penal 21

fonte:  http://www.conjur.com.br/2014-dez-05/barroso-defende-prisao-domiciliar-suprir-falta-presidios

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

CNJ determina que juízes e promotores passem por detectores de metais

Brasília – O Conselho Nacional de Justiça decidiu nesta segunda-feira (1º) que juízes e promotores terão que passar por detectores de metais no acesso a tribunais. O CNJ julgou procedente requerimento da OAB do Paraná, que contestava ação do Tribunal de Justiça daquele Estado que submetia apenas advogados e visitantes aos procedimentos de segurança. A OAB Nacional participou do processo como interessado.
“A decisão do Conselho Nacional de Justiça foi acertada e contundente. Assim como os advogados, juízes e promotores de justiça devem, por igual, serem submetidos a tratamento da mesma natureza para fins de segurança”, afirmou o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. A decisão do CNJ foi comunicada aos conselheiros federais da Ordem, que se reúnem em Brasília para sessão plenária.
No processo, a OAB informou ao CNJ que a revista apenas em advogados desprestigiava a classe, indispensável à administração da Justiça, e violava inúmeras prerrogativas. “A Lei Federal nº 12.694/2012 autorizou os tribunais a adotar medidas de segurança nos prédios da Justiça, em especial a instalação de detectores de metais, mas o próprio legislador determinou que todos aqueles que queiram ter acesso às dependências do fórum deverão ser submetidos a esse tipo de controle de acesso”, diz no voto. O próprio CNJ editou Resolução que prevê a possibilidade de “instalação de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso às varas criminais e áreas adjacentes ou às salas de audiência das varas criminais, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvada a escolta de presos”.
No entanto, na maior parte das vezes, esses aparelhos de segurança são instalados nas entradas dos tribunais, por onde apenas advogados e visitantes entram. “O tratamento desigual viola a isonomia e o exercício das prerrogativas profissionais dos advogados. Não se pode partir de premissa equivocada ao supor que os advogados se prestem a introdução de coisas proibidas nos prédios dos foros, sendo certo que as revistas nada mais representam que busca pessoal nos pertences de tais profissionais, cuja regra, contudo, não é isonomicamente aplicada quando se trata de advogados públicos/defensores públicos/procuradores da fazenda nacional e membros do Ministério Público”, diz a OAB.

fonte:  https://webmail.ig.com.br/?_task=mail&_action=show&_uid=1865&_mbox=INBOX&_safe=1&_caps=pdf%3D1%2Cflash%3D1%2Ctif%3D0