quinta-feira, 21 de março de 2013

ADVOGADO TATUIANO É CONDENADO POR LITIGÂNCIA DE MÁ- FÉ

Conforme sentença proferida no processo nº 0005491-13.2010.8.26.0624 o advogado E. R., profissional militante na Comarca de Tatuí, foi condenado por litigância de má-fé. A sentença foi proferida JUIZ MARCELO NALESSO SALMASO. Segue cópia integral da sentença disponibilizada no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda cabe recurso da decisão proferida.

Vistos. Relatório dispensado nos termos do artigo 38, caput, in fine, da Lei nº 9.099/95. Fundamento e DECIDO. Quanto à preliminar arguida pelo Embargado/Exequente, em fls. 30/32, consigno que a dispensa de garantia do Juízo para oposição de embargos à execução encontra-se devidamente fundamentada na decisão de fl. 09, que passa a integrar esta decisão para todos os fins, especialmente para REJEITAR a preliminar. Prossigo. Por meio do presente processo de execução fundada em título extrajudicial, o Embargado/Exequente pretende seja a Embargante/Executada compelida ao pagamento do débito representado no cheque de fl. 08, emitido por esta última, no valor de R$ 20.000,00, acrescido de encargos de mora. Como se sabe, o cheque nada mais é do que um título de crédito. E os títulos de crédito apresentam como características fundamentais a cartularidade, a abstração e a literalidade, o que se consolidou em definição doutrinária de longa data, delineada por Cesare Vivante, ora positivada no artigo 887, do Código Civil de 2002. Tais características se justificam pela própria função que cumpre o título de crédito, qual seja, permitir a circulação do crédito. Tendo-se por fundamento da presente execução, portanto, o cheque – título de crédito caracterizado como ordem de pagamento à vista –, é cediço que a discussão sobre a causa debendi só pode ser travada entre os próprios participantes do negócio subjacente ou, quando se trate de terceiro, como no caso, tenha este, de má-fé, adquirido o título ciente da existência de algum vício. A propósito, tudo conforme bem salientado pelo artigo 25, da Lei nº 7.357/85, que traz a positivação do que narrado supra. No âmbito do presente processo, a Embargante/Executada opôs embargos à execução e, em suas razões, aduziu ter emitido, na data de 14 de julho de 2006, o cheque de fl. 08, identificado sob a sequência alfanumérica LM-000141, em branco, à pessoa de Darci Antunes, como garantia de dívida advinda de mútuo anteriormente contratado por seu falecido marido para com este, no valor de R$ 6.500,00. Nestes termos, afirma desconhecer a pessoa do Embargado/Exequente. Em audiência para instrução, perante este Juízo, foi ouvido Darci Correa Antunes, o qual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, narrou ter sido bastante amigo do finado marido da Embargante/Executada, Francisco, a quem, por relação de afeto, costumava emprestar dinheiro. Em diversas oportunidades, o depoente entregou ao falecido esposo da Embargante/Executada numerários, a título de mútuo, em montantes “picados”. Como garantia, “Chico” entregava cheques, em branco. Por vezes, o depoente preenchia o título à vista do próprio tomador do empréstimo, e, em outras, não, pois cada qual tinha absoluta confiança no outro. Não sabe o depoente o valor total de todos os empréstimos feitos a Francisco. O finado esposo da Embargante/Executada, Francisco, a quem o depoente emprestava dinheiro por pura amizade, sempre “pagava direito”. Às vezes, Francisco quitava em dinheiro, o qual levava no trabalho do depoente, que, por sua vez, dizia que iria em sua casa pegar o cheque dado em garantia, mas Francisco ressaltava que não era preciso, por saber com quem estava lidando. Informou o depoente que, certa feita, Francisco pediu cerca de R$ 6.000,00 ou R$ 6.300,00, a título de empréstimo, mas o depoente não possuía tal montante disponível. Assim, Francisco agradeceu e, após, procurou por pessoa conhecida como Santino. Cerca de meia hora depois, o depoente recebeu um telefonema de Santino, o qual dizia que Francisco se encontrava com ele e perguntava se o depoente garantiria, como fiador, o empréstimo que Francisco pretendia fazer, com o que concordou o depoente. E assim se deu, oportunidade em que o Francisco entregou um cheque seu a Santino, “endossado” pelo depoente. Ocorreu que Francisco não adimpliu a dívida, pelo que o depoente quitou o débito e resgatou o anterior título dado, por Francisco, em caução. Salientou o depoente, que o cheque que embasa a presente execução foi a ele entregue, por Francisco, como garantia de tal dívida, advinda do pagamento feito pelo depoente, na qualidade de fiador, a Santino, tendo o título permanecido com o depoente por determinado tempo, cerca de dois ou três anos. O depoente “tinha negócio” “pequeno” com o finado marido da Embargante/Executada e, assim, o tempo foi-se passando, ocorrendo o falecimento de Francisco. O depoente ostentava também amizade para com o Embargado/Exequente, que é advogado militante na Comarca, e, em conversa com este, perguntou se teria algum direito para fins de receber o valor da dívida caucionada pelo cheque, ao que este respondeu que sim. Desta feita, o Embargado/Exequente indagou do depoente se este tinha algum documento a comprovar seu direito e o depoente falou que possuía cheques em casa, seguindo-se o convite do Embargado/Exequente para que o depoente levasse até ele os títulos. Alguns dias depois, o depoente foi ao escritório do Embargado/Exequente e lhe entregou o cheque de fl. 08, em branco, para fins de receber aquilo que “tinha pago”, “o endosso”. Não chegou a pedir de volta o cheque nos meses que se seguiram, pois considerava que não mais pudesse receber o valor do débito. Tempos depois, perguntou ao Embargado/Exequente sobre o cheque e este disse que teve uma audiência, mas “a senhora nem apareceu”. Na oportunidade em que o depoente entregou o cheque para o Embargado/Exequente, este atuando como advogado, nada ficou combinado, não tendo assinado procuração e, nem mesmo, tratado percentual de honorários. Esclareceu o depoente, ao final, que, quando passou a posse do cheque ao Embargado/Exequente, pretendia receber somente aquele montante que tinha pago, como fiador, a Santino, de R$ 6.000,00 ou R$ 6.300,00, com os devidos encargos de mora, e, não, todos os valores emprestados a Francisco anteriormente. O depoente reconheceu, com absoluta certeza, o cheque de fl. 08 como sendo aquele que Francisco lhe entregou, em branco, a título de garantia da dívida advinda da quitação feita pelo depoente a Santino (qualificação em fl. 53 e depoimento gravado, em áudio e vídeo, nos termos do Provimento nº 008/2011, da Colenda Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, conforme mídia de fl. 58). Em seguida, o depoente, Darci Correa Antunes, apresentou a este Juízo diversos cheques e uma nota promissória, os quais foram submetidos a inspeção judicial, conforme termo de fl. 52, e cujas cópias encontram-se em fls. 54/57. De acordo com o que consta no termo de fl. 52, o cheque de fl. 54, identificado como LM-000097, inutilizado com uma fenda ao centro, foi aquele que o depoente, na qualidade de fiador, resgatou junto ao credor Santino, quitando o valor, de R$ 6.300,00, inscrito na cártula. Os demais títulos de crédito, em fls. 55/57, foram entregues, por Francisco, ao depoente, como garantia de empréstimos anteriores. Forma-se a convicção deste Juízo, portanto, no sentido de que o cheque que dá lastro à presente execução, em fl. 08, foi entregue, no ano de 2006, pelo finado marido da Embargante/Executada, Francisco, a seu amigo Darci Correa Antunes, como forma de garantir que pagaria o valor que Darci dispendera a Santino, como fiador, cerca de R$ 6.300,00, conforme consta em fl. 54, para resgatar tal cártula que Francisco havia entregue a Santino como caução de empréstimo, o qual restou inadimplido por Francisco. Tempos depois, Darci, que tinha muita amizade para com o Embargado/Exequente, advogado militante na Comarca, entregou a este o cheque de fl. 08, em branco, pois pretendia reaver aquele valor despendido anteriormente, cerca de R$ 6.300,00, acrescido de encargos de mora. Ocorreu que o Embargado/Exequente, sem nada tratar com Darci ou mesmo informá-lo do que faria, preencheu o cheque, lançando o valor de R$ 20.000,00 e colocando o seu próprio nome como beneficiário, e, na sequência, ingressou com a presente demanda. Vale a pena consignar que a grafia dos escritos apostos no cheque de fl. 08 guarda plena identidade com aquela da assinatura feita de próprio punho, pelo Embargado/Exequente, na procuração de fl. 07. Portanto, este processo de execução fundada em título executivo extrajudicial, da maneira como proposto, mostra-se como uma verdadeira afronta à moral e à ética, bem como, à dignidade da Justiça. Em primeiro lugar, o Embargado/Exequente apropriou-se do título de crédito que não lhe pertencia, mas, sim, a seu cliente, preenchendo-o em valor três vezes superior àquele condizente com a dívida, que o cliente, Darci, pretendia cobrar, e, ainda, inserindo o seu próprio nome como beneficiário. Em segundo lugar, procedendo de tal maneira, o Embargado/Exequente, fazendo-se parecer terceiro de boa-fé portador do cheque, procurou afastar a discussão de quaisquer exceções pessoais relativas à dívida. Pois bem. Dentro de tal panorama fático, quatro medidas se mostram necessárias e salutares. A primeira delas diz respeito à sorte da presente execução fundada em título extrajudicial. Neste âmbito, como se sabe, é premissa fundamental para o ajuizamento de todo e qualquer processo de execução a existência de um título executivo ao qual corresponda uma obrigação líquida, certa e exigível. Tudo conforme positivado nos artigos 583 e 586, do Código de Processo Civil. O título executivo, nestes termos, garante a presunção (juris tantum) de certeza da existência de uma relação jurídica obrigacional, da qual emerge objeto delimitado, sem que sobre ela recaia qualquer condição suspensiva, possibilitando, assim, que o credor se utilize diretamente do processo de execução para ver satisfeita a sua pretensão. No caso, os requisitos de certeza e exigibilidade da dívida não estão presentes. Assim porque, como visto, o Embargado/Exequente apropriou-se indevidamente do cheque, entregue em branco, inscrevendo nele valor muito além daquele da dívida que seu cliente pretendia cobrar, e, ainda, inserindo o seu nome como beneficiário do crédito representado na cártula. Desta feita, diante da imprestabilidade do título – cheque – de fl. 08 para fins de fundar a execução, declaro extinta a presente execução, por ausente pressuposto de constituição e para regular e válido desenvolvimento do processo, o que faço com fundamento no artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil. Prosseguindo, não é demais lembrar que, conforme preconiza o artigo 14, do CPC, é dever das partes e de todos aqueles que atuam no processo, no que se incluem os advogados, expor os fatos em Juízo conforme a verdade, proceder com lealdade e boa-fé e não formular pretensões cientes de que são destituídas de fundamento. Na hipótese sub judice, o Embargado/Exequente, que é advogado, ingressou com a execução em tela apresentando, para tanto, cheque indevidamente preenchido em seu nome e com valor muito superior ao pretendido por seu real portador, no intuito de auferir lucros. Desta feita, o Embargado/Exequente altera a verdade dos fatos, usa do processo para conseguir objetivo ilegal e procede de modo temerário, pelo que se reputa litigante de má-fé, nos termos do artigo 17, incisos II, III e VI, do estatuto processual civil. Assim, impõe-se ao Embargado/Exequente o pagamento da multa e da indenização previstas no artigo 18, caput e § 2º, do CPC, a serem fixadas ao final. Cumpre acrescentar que o Embargado/Exequente é advogado e, nesta qualidade, foi procurado pelo cliente Darci. E, ao advogado, que, no seu múnus, também exerce função social (artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Advocacia), impõe-se “… cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina” (artigo 33, do Estatuto da Advocacia). E dispõe o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 2º, parágrafo único, ser dever do advogado: I - preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade; II - atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; (…) V - contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis; (…) VII - aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial; VIII - abster-se de: (…) d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana. Ademais, “é defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé” (artigo 6º, CEDOAB). Nestes termos, condeno o Embargado/Exequente ao pagamento de multa, no montante de 1% sobre o valor da execução. Sem prejuízo, impõe-se ao Embargado/Exequente o pagamento de indenização, no patamar de 20% sobre o valor da execução, assim porque, como se sabe, o fato de a Embargante/Executada responder a esta demanda de execução, por si só, gera dano, pois o seu nome é lançado nos cadastros de inadimplentes do SERASA, de acordo com o convênio estabelecido entre este órgão e o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e, ademais, precisou ela contratar advogado para se defender. As derradeiras providências restarão consignadas ao final. Por tudo quanto exposto e considerando o mais que dos autos consta, DECLARO EXTINTO O PROCESSO DE EXECUÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, o que faço com fundamento no artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 55, da Lei nº 9.099/95, reconhecida a litigância de má-fé, condeno o Embargado/Exequente ao pagamento das custas processuais. Condeno o Embargado/Exequente ao pagamento, em favor da Embargante/Executada, do montante equivalente a 1% sobre o valor da execução, a título de multa, e, também, como indenização, de 20% sobre o valor da execução, assim com fulcro nos artigos 17, incisos II, III e VI, e 18, caput e § 2º, do CPC. O quadro probatório formado nestes autos apresenta indícios de que foram cometidas ilicitudes não só contra o cliente, Darci, mas, também, em desfavor da ora Embargante/Executada. De qualquer forma, não cabe a este Magistrado se imiscuir na atribuição do representante do Ministério Público, este titular da ação penal, no que toca à correta aferição e tipificação de eventual crime. Nestes termos, remetam-se cópias das principais peças deste processo, bem como, da presente sentença, ao Ministério Público, para as providências cabíveis. Substitua, a z. Serventia, o título de fl. 08 por cópia reprográfica, devendo aquele cheque original ser remetido à Promotoria de Justiça, juntamente com o ofício, o qual também deverá ser instruído com cópias de fls. 03/06, 08, 24/26, 30/32, 52/57 (inclusive versos), da mídia de fl. 58, bem como, da presente. Sem prejuízo, oficie-se à Secção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, instruindo-se com as mesmas cópias supra elencadas, para as providências cabíveis. P. R. I. e C. Tatuí, 28 de janeiro de 2013 MARCELO NALESSO SALMASO Juiz de Direito.

http://www.tjsp.jus.br/PortalTJ3/Paginas/Pesquisas/Primeira_Instancia/Interior_Litoral_Civel/Por_comarca_interior_litoral_civel.aspx

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